Depois de observar com alguma atenção o capitulo referente às perspectivas macroeconómicas (pags. 75 a a 93) do relatório para a proposta de Orçamento de Estado de 2008, algumas dúvidas em relação à análise prospectiva do ministério das finanças sobressairam.
Começo pelo quadro II3.2 referente às perspectivas macroeconómicas que aponta para um crescimento de 2,2 % do PIB sustentado por um crescimento acentuado do investimento e a manutenção do crescimento das exportações a níveis semelhantes aos de 2007, entre 6,5% e 7%. A dúvida aqui não se baseia no valor previsto para o crescimento económico, pois encontra-se enquadrado nos valores estimados para o crescimento potencial do PIB português (cerca de 2%), mas sim nos factores que o sustentam. Com um deterioramento das condições internacionais, aumento do preço do petróleo, valorização sustentada do Euro, desaceleração da actividade económica internacional e possível aumento das taxas de juro (o relatório prevê uma diminuição das taxas de juro a curto prazo média para 2008, quadro II3.1 pag. 94), o risco associado a uma deterioração das perspectivas de investimento e da competitividade indicam que ambos os valores são claramente optimistas. Este cenário é reforçado pelos próprios dados do relatório que reflectem uma clara relação inversa nos últimos anos entre a evolução da procura interna e a evolução das exportações (quadro II2.1, pag. 80), com o respectivo reflexo na balança de transacções correntes( gráfico II2.15, pag. 89). As perspectivas macroeconómicas para 2008 do Governo prevêem uma aceleração para o consumo privado em conjunto com uma retracção do consumo público, no entanto essa escolha política pode não ser suficiente se levarmos em consideração a apreciação do Euro e a consequente pressão para o aumento das importações.
As previsões do Governo para a evolução do mercado de trabalho apontam para uma redução da taxa média de desemprego de 7,8% para 7,6%. Assumindo uma perspectiva puramente macroeconómica, esta previsão assume-se claramente como uma perspectiva bastante optimista. Com um crescimento potencial de cerca de 2% e uma evolução negativa do desemprego para uma nova taxa natural de desemprego, ajustada ao novo regime de crescimento de longo prazo, o crescimento da taxa média anual de desemprego tem revelado um evolução sustentada durante os últimos anos. Considerar que atingimos esse patamar e que com um crescimento medíocre e perspectivas internacionais restritivas será possível uma diminuição da taxa de desemprego parece ser uma previsão mais que optimista, senão mesmo desajustada. Aliás nenhum economista pode afirmar com total grau de certeza que a nova NAIRU será de cerca de 8%, tanto quanto sabemos ela poderá ser perto desse valor como superior em 1% ou 2%. Tudo depende do ajustamento estrutural em curso para este novo regime e ao novo equilíbrio macroeconómico consequente. Em relação aos dados e perspectivas do mercado de trabalho estes apontam para um aumento recente da produtividade sustentado mas medíocre (quadro II2.13, pag. 87). Será razoável considerarmos que este aumento da produtividade no curto prazo mais do que melhorar as perspectivas nos mercados de trabalho contribuirá para a competitividade da nossa economia. O crescimento do emprego estará necessariamente associado a um efeito de volume no futuro quando os ganhos de produtividade já não sustentarem as necessidades de produção de bens e serviços. Esse movimento dependerá obviamente da evolução do salários, se estes evoluirem abaixo dos ganhos de produtividade existirá um natural crescimento do emprego, no entanto se o contrário acontecer o custo marginal de se contratar um trabalhador adicional vai-se reflectir numa perca de competitividade das firmas portuguesas. Esta foi uma das principais razões para a estagnação económica desta década, como podemos observar no mesmo quadro, onde a evolução da produtividade não sustentou ainda a evolução dos custos do trabalho durante esta década. O mesmo quadro aponta para uma deterioração desta situação durante 2007.
O enquadramento financeiro dos agentes privados em Portugal revela (quadro II2.18, pag. 92) que de 1995 a 2006 as famílias e as empresas aumentaram em cerca de 100% o seu endividamento em relação ao PIB. As causas para este efeito são múltiplas e referem-se a perspectivas de crescimento e de evolução das taxas de juro demasiado optimistas, essencialmente durante segunda metade da década de 1990. Dois factores contribuiram para este cenário demasiado optimista, a adesão ao euro e o correspondente choque positivo em relação às condições financeiras externas e taxas de juro, e os excessivos gastos públicos que alimentaram o crescimento elevado muito para lá do que a economia real conseguiria suster. A consequência foi um aumento generalizado do consumo , baseado no endividamento, em detrimento do investimento reprodutivo. Esta razão ajudou a provocar o excessivo endividamento na indústria nacional em conjunto com outros factores relacionados com a cultura vigente acerca do financiamento de empreendimentos e a organização industrial predominante. Com uma perspectiva de deterioração das condições financeiras este excesso de endividamento, sem correspondente retorno, deve ser levado em consideração nas previsões excessivamente optimistas em relação ao investimento privado.
Por último resta referir a evolução dos preços. Este parece ser o único factor que irá quase de certeza contribuir para o aumento da competitividade da economia portuguesa em 2008, estabilizando pela primeira vez em 2008 no nível médio de evolução dos preços na zona euro, cerca de 2,1%. Na teoria das zonas monetárias óptimas um país que tenha problemas de competitividade deve reflectir essa situação com uma evolução do nível de preços internos inferior à evolução média do agregado monetário, que agrega os seus principais parceiros comerciais. Sem politica monetária este é o mecanismo que permite aumentar a competitividade de um país no curto prazo através do efeito do preço, pois as firmas que exportam suportam parte dos seus custos a preços internos. A deterioração da situação portuguesa durante os últimos anos também se ficou a dever ao crescimento excessivo do nível de preços internos, reflexo de uma generalizada ausência de concorrência em vários sectores de actividade e à excessiva concentração de mercado nos principais sectores de utilities.
É muito duvidoso que perante estas perspectivas seja previsível uma diminuição do desemprego no curto prazo. Se tal acontecer não será de certeza pelas melhores razões. Em relação ao crescimento do PIB as previsões existentes apontavam para um crescimento de cerca de 2,4%, antes da crise do sector financeiro e imobiliário, sendo subsequentemente reduzidas para 2,2%. Esta ligeira evolução acima do benchmark do ciclo (crescimento potencial de 2%) poderia ser facilmente explicada por uma conjuntura internacional favorável. Esta situação já não reflecte a situação actual, sendo acentuada pelo elevado risco de recessão nos EUA. Se as piores condições externas se verificarem é de esperar as perspectivas de aceleração do crescimento sejam ainda mais limitadas. Existe também uma outra questão que se refere ao tipo de análise promovido pelo ministério para propor estas previsões. Em várias previsões de médio prazo apresentadas tem sido referido uma aceleração do produto até aos 3%. Como é óbvio as perspectivas acerca do investimento e emprego são baseados e baseiam estas perspectiva de mais longo prazo. No entanto é razoável considerar este cenário num contexto de limitada competitividade externa (Ver evolução dos défices da balança de transacções correntes no gráfico II2.15, pag. 89), a evolução da economia será apenas sustentada por ganhos na competitividade da indústria o que criará um aumento do desemprego no curto prazo. Assim considerar um regime de crescimento de cerca de 2% durante o período em que os efeitos de substituição dominam os efeitos de riqueza, será de certeza mais razoável. E neste regime qualquer melhoria da situação agregada no mercado de trabalho parece ser muito pouco provável. |