Porque são algumas nações tão ricas e outras tão pobres é a questão que David Landes pretende responder no seu livro "A riqueza e a pobreza das nações". Obviamente esta tarefa titânica apenas é abordada em parte, pois a vastidão do assunto e diversidade das opiniões não podiam ser discutidas na sua totalidade em apenas um livro.
Apesar destas limitações Landes não se deixa impressionar e, numa autentica revisão da história económica moderna mundial, tenta apresentar os vários casos de sucesso e fracasso económico que ocorreram ao longo destes últimos cerca de 700 anos com um especial ênfase para os últimos 300 a 500 anos. A abordagem escolhida para realizar este esforço gigantesco é uma introdução com algumas ideias específicas e um cruzar de casos que se podem dividir em três grupos, nações, impérios e continentes ou sub-continentes. Apesar de parecer um pouco confusa esta abordagem, a principal intenção é a de afirmar as suas ideias, geralmente baseadas num pragamatismo neo-clássico institucionalista, em relação ao desenvolvimento e crescimento económico, as suas bases e causas. O autor pretende ainda demonstrar como esses fenómenos ao longo do tempo provocaram choques entre civilizações e como essa interligação não só produziu resultados como foi fundamental para determinar a hierarquia das nações que hoje vigora. Em suma, só podemos compreender o verdadeiro objecto da obra de Landes depois de a lermos na totalidade e digerirmos a quantidade impressionante de informação que esta contém. Acreditem que não é fácil terminar as cerca de 700 páginas da edição portuguesa e ao mesmo tempo seguir as inúmeras e detalhadas referências que cada capitulo contém e que são fundamentais para a compreensão da visão de David Landes.
Esta visão muita especifica de Landes caracteriza-se, como já tinha referido, por um pragmatismo neo-clássico institucionalista, que vai buscar ao baú do politicamente incorrecto algumas ideias polémicas como a geografia económica da primeira metade do século 20 e o eurocentrismo. Estas ideias custaram a carreira a muitos investigadores no passado devido ao revisionismo anti-imperialista que varreu as ciências sociais a dada altura. David Landes não foge das suas convicções mas também não se refugia no determinismo que estas ideias em tempos se basearam. Ele tenta enquadra-las na sua tese e tenta mostrar ao longo do livro como estas ideias muitas vezes ligadas a uma certa superioridade civilizacional foram fundamentais para o desenrolar da história e para o seu impacto na economia. Uma boa forma de resumir as suas ideias e o seu descomprometimento com as diversas correntes da história é a sua retórica em relação ao eurocentrismo. Porque não deverá ser a história do sucesso económico eurocêntrica se a Europa foi a região que mais progrediu e influenciou o mundo nos últimos 500 anos? A base para este critério está nas suas ideias neo-clássicas e institucionalistas. Os mercados são fundamentais mas só num estado de direito e de alguma forma liberal. A politica, instituições e cultura acabam por se sobrepor no fundamental à economia mesmo que por vezes pareça o contrário. Aliás Landes aplica esta tese para explicar não só o sucesso de nações como Portugal e Inglaterra em dados momentos da História, quando o contexto geopolítico não era muito favorável. Ambas enfrentavam vizinhos mais poderosos militarmente, financeiramente e em certa medida tecnologicamente, mas Landes demonstra como o enquadramento institucional foi fundamental para triunfarem nesta situação de aparente desvantagem económica.
De forma a demonstrar as suas ideias, Landes apresenta alguns exemplos das implicações dos diferentes enquadramentos institucionais. Inglaterra é apresentada como uma nação cuja maior vantagem era a existência de um estado liberal em termos legais e económicos que permitiu à iniciativa privada liderar e desenvolver as suas actividades com racionalidade económica, em comparação com França, um país mais rico, em termos de manufactura mais avançado e com maiores recursos financeiros e agrícolas. A expressão destas diferenças vem como sempre nesta obra sob a forma de exemplos concretos, como o desenvolvimento da rede rodoviária nestes dois países. França, dominada por um poder público importante e por elites com raízes na aristocracia, construiu magnificas estradas que ligavam cidades distantes. O problema dessas estradas era não serem racionais, estavam sempre distantes das povoações e os seus custos de manutenção e segurança eram astronómicos, o que impedia uma rápida disseminação pelo território francês. Inglaterra não tinha recursos para tais obras públicas, assim tiveram que ser os empreendedores privados a promover as vias de transporte. Isto foi possível através de um sistema de exploração da propriedade privada de forma a sustentar a distribuição de produtos e baseada num sistema anárquico de caminhos e portagens. Muitas vezes estas estradas eram de péssima qualidade e tão estreitas que apenas os transportes práticos e fisicamente preparados, em oposição às luxuosas carruagens da elite francesa, conseguiam enfrentar. Além disso não existia interesse em desenvolver vias muito distantes, o próximo entreposto comercial era o suficiente, um empreendimento deveria ser o mais racional em termos de custos e principalmente chegar a algum lado. Isto permitiu desenvolver o sistema de estalagens inglesas ao longo das estradas que serviam os inúmeros viajantes que as frequentavam. Business generates business and so on.
Em relação a Portugal, e mais especificamente ao seu período áureo dos Descobrimentos, Landes demonstra como o pragmatismo económico e o enquadramento institucional público/privado foram fundamentais. Ao contrário de muitas ideias de heroísmo que existem acerca dos nossos navegadores, Landes destaca a preparação cuidadosa de todas as viagens e a partilha do risco entre o sector público e privado das actividades a desenvolver. Landes afirma que uma das razões do sucesso português foi o seu imperialismo militar moderno e global precoce. Tudo dependia da informação adquirida, negociações e empreendimentos escolhidos, e em caso de possíveis problemas disparar primeiro e fazer perguntas depois. Disparar é claro os poderosos canhões e de preferência a partir de barcos, a distância e alcance das armas e a superioridade naval eram fundamentais para a intimidação. Landes dá dois exemplos para esta lógica, em primeiro lugar a negociação do Tratado das Tordesilhas, onde existe clara evidência de um conhecimento geográfico muito superior por parte dos portugueses, um pouco à maneira dos serviços de informação modernos. Em segundo lugar, as instruções recebidas por Vasco da Gama na sua calculada viagem até à Índia. Obter informações comerciais e contratos lucrativos se possível em terra e se abordados avisar primeiro e depois disparar. Não interessava saber as intenções dos outros quando isso podia ser muito arriscado, interessava isso sim defender os nossos interesses.
Por último, neste já longa apresentação, deixo aqui para terminar duas páginas com reviews mais e/ou menos "simpáticos" acerca do livro de David Landes e a página habitual do Amazon para "A Riqueza e a Pobreza das nações":
The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor no Amazon;
Review da página académica de Bradley Delong com vários comentários;
Criticas no site Rise of the West. |